O apóstolo Paulo trata a questão da liberdade postulada pela acolhida do Evangelho de Jesus Cristo, primeiramente, em sua carta aos Gálatas. Instiga a percorrermos, no desafio de estudar essa carta, o trajeto delineado pela pergunta crucial: livres de que e para quê?
Elaborando um projeto de curso sobre a carta aos Gálatas, lembrei-me de que, em “Os irmãos Karamazov”, Dostoiévski relata sobre o Grande Inquisidor, que observa e manda prender Jesus, que havia voltado à terra e andava entre as pessoas. Diante de Jesus, o prisioneiro silencioso, o inquisidor profere sua acusação: “Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. E em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas, mediante sólidos princípios, tu lhes ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas: a liberdade. Agiste, pois, como se não amasses os homens. […] Em vez de te apoderares da liberdade humana, tu a multiplicaste e, assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade…”.
Recordei-me, ainda, de Rubem Alves ao afirmar que “os homens preferem as gaiolas ao voo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas”.
Ao som reverberado pelas palavras de Dostoiévski e Rubem Alves, ouvimos, na pele, com os olhos e ouvidos, que a liberdade amedronta, pois nos responsabiliza; preferimos a escravidão, as normas que erigem o legalismo como “tábua de salvação” e isenta-nos da escolha responsável apresentada pelo apóstolo como prerrogativa da acolhida do Evangelho de Jesus.
Nesse desafio temido, é apreensível ao estudo do escrito Paulino aos gálatas, que acolher a fé cristã é passar por um radical processo de libertação para tomar um caminho responsável de liberdade. É a emancipação da submissão a “deuses que na realidade não o são”, da escravidão ao domínio dos “elementos do mundo”, do peso condicionante das forças do egocentrismo (da “carne”) e das amarras de observâncias erigidas em princípio de salvação, ou seja, da lei, dos códigos de condutas impostos como autenticação da fé. É por graça, tornar-se pessoa capaz de amar, isto é, de se colocar a serviço dos outros.
Para tanto, um dos eixos teológicos centrais da carta aos Gálatas é a justificação pela fé, e não pelas obras da Lei. Por conseguinte, outro elemento importante é a fé como adesão à iniciativa salvífica do Pai, mediada pela obediência do Filho e pela ação do Espírito Santo. O cristão, acolhendo e aderindo a Cristo, participa gratuitamente da filiação divina que se expressa concretamente na vivência da liberdade em Cristo, que consiste em deixar-se conduzir pelo Espírito, isto é, ter uma vida pautada pelo amor e serviço que conduz a uma nova prática de vida, a ser nova criatura. Na leitura da carta, somos, portanto, interpelados com o desafio de acolher o convite a fazer uma revisão de vida a partir de questões como: onde está a motivação fundamental que dirige nossa vida cristã: numa série de observâncias mecânicas e ritos? Estamos realmente dispostos a uma educação para a vivência da liberdade responsável ou pautada no estabelecimento de normas absolutizadas e divinizadas que escravizam e esterilizam a fé?
Flávia Luiza Gomes